Eram cinco, andavam a mais ou menos entre 40 e 50 km por hora, suas bicicletas voavam sentido ao conjunto dos metalúrgicos, onde uma locadora de vídeos alugava uma mesa com um videogame, por hora. A maioria era pobre demais para ter seu próprio videogame. Jogavam Street Fighter e Mortal Kombat até enjoar, e depois seguiam sentido rodoanel, para uma ladeira no bairro da Granja Viana, antes do km 21 da Raposo Tavares que era conhecida como “Vai pro céu”.
Na parte de cima da ladeira, paravam antes de descer. Olhar para baixo e sentir um frio na barriga era comum, porém nada parecia assustar aquelas crianças, que desciam rente aos carros, agora em uma velocidade descomunal. A única diferença é que, diferente de outros ciclistas, largavam o guidão, com exceção de um, esse, sempre considerado o mais medroso da turma.
Se ninguém caia, um prêmio para todos, uma tubaína, rachada dos trocados que conseguiam arrumar vendendo garrafas dos vizinhos para o homem da reciclagem. Antes de ir embora uma parada ao por do sol do barranco, onde ninguém ousava falar. Eram felizes naquele momento, naquele universo resumido e cheio de uma beleza simples, de valor inestimável.
Se ninguém caia, um prêmio para todos, uma tubaína, rachada dos trocados que conseguiam arrumar vendendo garrafas dos vizinhos para o homem da reciclagem. Antes de ir embora uma parada ao por do sol do barranco, onde ninguém ousava falar. Eram felizes naquele momento, naquele universo resumido e cheio de uma beleza simples, de valor inestimável.
O tempo passou, e a galera das bikes começou a dispersar. Um se envolveu com o crime organizado, começou a roubar carros e vender drogas. Ainda conversava com o resto da galera, que tentava convencê-lo a parar, o que era inútil... com o tempo sua identidade se perdeu e mal se lembrava que um dia foi da turma. Morreu em um tiroteio com policiais, fugindo de uma loja de jóias.
Um segundo mudou-se para o litoral de São Paulo, montou um negócio de roupas de surf e começou a ganhar muito dinheiro. Sua marca cresceu e chegou até a pensar na possibilidade de exportar, mas com a pirataria, começou a perder clientes, não conseguiu pagar suas dívidas e faliu. Quando sua mulher o deixou, ficou com problemas psicológicos e desapareceu.
Um dia, após muita procura um dos amigos da turma, junto com alguns familiares o encontraram em um hospício no interior de São Paulo. Estava irreconhecível, e segundo os médicos, seria muito difícil voltar a ser á pessoa que era.
O terceiro continuou na vila, trabalhava de segunda a domingo, arrumou uma namorada aos 17 e teve dois filhos. Com as dificuldades, teve de largar a escola pra se dedicar ao trabalho e com o tempo, e mais um descuido, veio o terceiro filho. Alguns vizinhos diziam que era infeliz, que tinha uma mulher que não ajudava muito, que não conseguia juntar dinheiro suficiente porque pagava aluguel, e se queixava da vida constantemente. Não se importava em rever velhos amigos, e acabou no esquecimento. Que fique claro que não era má pessoa, mas tornou- se azedo, por não pensar em uma vida em longo prazo, coisa muito comum de se acontecer hoje em dia. De vez em quando via um amigo dos tempos de bike, acenava e continuava andando. Era como se um daqueles garotos nunca tivesse existido, e no fim não existia mais mesmo.
O quarto, que era o líder da turma, mudou-se para um bairro vizinho e virou policial militar. Apesar de ter um salário relativamente bom, vivia com medo e nunca dizia aos outros qual era sua profissão, pois tinha receio das retaliações dos bandidos. Com o tempo a neurose aumentava, e tinha de mudar de casa a cada dois anos para se sentir seguro. Tentou engravidar a esposa e descobriu-se estéril. Apesar das intempéries acabou adotando um garoto de rua, que tinha como filho. Um dia um dos amigos tentou contato e não conseguiu, disseram que ele pedira transferência para outro estado, assim ficando cada vez mais longe e inacessível.
E chegamos finalmente ao medroso... aquele que não largava o guidão.
Esse terminou o segundo grau e fez um curso de radiologia, casou, mas quando percebeu o erro remediou e separou-se ainda sem filhos. Trabalhava e estudava a maior parte do tempo, viajou para quase todos os estados do Brasil, ia a todos os shows de rock que podia ir e curtia a vida como se fosse sempre o ultimo dia. Voltou a fazer faculdade, dessa vez a que queria, e conheceu muitas pessoas. Tinha um trabalho estável, e estava sempre sorrindo. Podemos dizer que de todos os da turma da bike, era o mais feliz.
Hoje esse cara saiu de casa de bicicleta, e meio desajeitado, riu de si mesmo por não praticar aquilo há tanto tempo. Andou por vários lugares, passou o barranco do por do sol, e finalmente chegou à ladeira do “Vai pro céu”. Olhou para baixo e sentiu o velho frio na barriga. Apesar de ter crescido, ainda sentia o medo de descer, mas sem pensar muito, desceu sem as mãos, e como sempre no meio do caminho agarrava o guidão, descendo com ele apertado, como se fosse a ultima coisa que pegasse na vida.
Enquanto descia e sentia o vento bater no rosto, pensava sobre o guidão... aquela parte da bicicleta era como um reflexo de sua vida, e todo mundo que descia sem a segurança do guidão, como seus amigos faziam, acabava se dando mal. Ficou feliz ao invés de chateado, como ficava quando os amigos o chamavam de covarde, pois dessa vez ele entendeu, que na maioria das vezes , na vida não se deve largar o guidão.
Não se deve deixar a vida solta como se fosse uma bicicleta sem direção. Todo passo deve ser pensado e medido, para que no futuro, haja felicidade. Ficou triste pelos amigos, queria que aquela realidade fosse diferente, mas sabia que a vida não era conto de fadas.
Enquanto descia e sentia o vento bater no rosto, pensava sobre o guidão... aquela parte da bicicleta era como um reflexo de sua vida, e todo mundo que descia sem a segurança do guidão, como seus amigos faziam, acabava se dando mal. Ficou feliz ao invés de chateado, como ficava quando os amigos o chamavam de covarde, pois dessa vez ele entendeu, que na maioria das vezes , na vida não se deve largar o guidão.
Não se deve deixar a vida solta como se fosse uma bicicleta sem direção. Todo passo deve ser pensado e medido, para que no futuro, haja felicidade. Ficou triste pelos amigos, queria que aquela realidade fosse diferente, mas sabia que a vida não era conto de fadas.
Parou no bar que ainda existia e tomou uma tubaína... montou na bike e seguiu em frente, com as duas mãos no guidão. No seu pensamento se achava preparado para qualquer tipo ladeira que aparecesse.
E realmente estava !
Para Ney, Marcio, Alemão e Rosana – Para sempre em nossos corações!
Um texto de Victor Von Serran