Todos quando adolescentes passamos por processos transitórios marcantes, que definem nossa vida por inteiro. Lembro-me que quando perdi meus pais aos sete anos de idade, em um acidente de carro no qual sobrevivi, morava com minha avó, que era aposentada e tinha poucas condições de cuidar de quatro crianças órfãs de pai e mãe. Ela não só aceitou este fardo, mas cumpriu bem este papel, pelo menos até o começo de nossa adolescência, onde começaram relativos problemas de algumas pessoas que moravam na periferia de São Paulo e enfrentam problemas econômicos.
Um dia assistindo a televisão pude acompanhar em um filme, o conto de Aladim, um jovem que acha um gênio em uma lâmpada e realiza seus desejos mais secretos, trazendo um final feliz para sua história. Lembro que às vezes tudo que eu queria era uma lâmpada como a de Aladim para realizar meus desejos e ser uma pessoa completamente diferente do que eu era naquele momento. Estudava em uma escola, em que o nível social dos alunos era bem acima que o meu, e sofria um certo preconceito por verem minha avó nas reuniões e dia das mães, fora isso, minha avó não tinha dinheiro para comprar a mochila da moda, ou roupas mais bonitas, e dentro de um conjunto de coisas que me tornavam diferente daquele grupo, fui isolado e me isolei das pessoas, me tornando uma criança sozinha naquele período.
Mas aconteceu algo diferente no decorrer dos dias, comecei identificar que outras crianças também eram sozinhas, e comecei a socializar com elas, fazendo meus primeiros amigos. Algo bom para mim tinha se realizado, era o desejo de ter amigos, e os ter me fazia muito feliz. Começamos a conquistar um espaço na escola que não tínhamos antes, e o grupo aumentava a cada dia, chegamos a contar 27 pessoas para um pique esconde, e nunca tinha interagido assim com tantas pessoas ao mesmo tempo. Eu me sentia aceito, tinha uma certa notoriedade, e mais uma vez o gênio dentro de mim me realizava mais um desejo, eu era aceito pelo meu grupo.
Aos 14 anos aconteceu uma inversão, de repente eu era um aluno popular. Diferente daquela criança que comia sozinha no canto da quadra, agora, várias pessoas fora do meu grupo começavam a puxar assunto, me chamar para outras atividades, percebi que a mudança em si não era no grupo, mas em mim. Quando comecei a mudar, as coisas mudaram ao meu redor, ou seja, quando conquistei confiança suficiente para me auto afirmar, consegui as transformações que tanto queria, e que talvez não precisasse mais de lâmpadas mágicas, pois talvez a grande mágica estaria dentro de nós mesmo, quando entendemos nosso coração, e quando buscamos entender os corações de outras pessoas.
Penso na quantidade imensa de jovens tímidos e retraídos que se sentem sozinhos nas escolas, de pessoas que por não se sentirem aceitas acabam se distanciando de outras pessoas e isso não só na adolescência, mas também em outros estágios da vida. Penso também no gordinho que revidou o bulling de outra criança na Austrália, onde um lado de mim se sente satisfeito, acredito que por ter sofrido com o bulling também, e outro preocupado por temos chegado a esse ponto.
Ainda me lembro do sentimento de não aceitação em um grupo, sei dos efeitos nocivos que é não buscar amigos e socializar. A fantasia de realizar desejos por mágica deve dar impulso a uma verdadeira necessidade do encontro com o seu problema e enfrentar este com todas as forças possíveis. Hoje acredito que sou uma pessoa feliz, eu faço comunicação social e sou líder na organização onde trabalho, e sempre tive um potencial com pessoas e só descobri isso me identificando com as necessidades dos outros..
Nosso quadro social não ajuda muito, temos tantas preocupações com o dinheiro, e outras futilidades, que acabamos não prestando atenção nas crianças e nos seus comportamentos. Por um lado mesmo órfão, pude identificar crianças que se sentiam como eu, mesmo tendo os pais vivos. E fica um alerta: qual o futuro dessas crianças sem apoio psicológico e amparo, onde nem sempre encontraremos nos amigos, a força que precisamos. O que fazer onde para alguns um momento de reflexão pode ser um momento critico?
Há pouco tempo andei observando um sobrinho que lembrava muito a mim, quando criança, pelo distanciamento que tinha de amigos, e pelo tempo que passava na internet, era como se me visse em um espelho no passado. Mas ontem pude observar em uma praça próxima a minha casa, ele brincando com várias crianças.
Que bom que algumas coisas mudam, e outras... graças a Deus não. Fiquei feliz novamente, pois tinha um tímido a menos na tal dita sociedade da informação. Nessa tão bem dita e hipócrita sociedade da informação.
Tenho certeza que quase todas as pessoas do mundo foram excluídas de algo em algum momento de suas vidas, cabe a nós, os adultos de hoje a preservação da infância para um crescimento saudável das próximas gerações de transformadores do Brasil. Devemos lembrar-nos disso, sempre, para o bem de nossos pequeninos.
Até a proxima postagem !