Vinícius tinha deixado a mala no embarque
caminhou sentido a plataforma subiu a escada e antes de embarcar olhou pra trás mais uma vez.
Sentou-se confortavelmente na cadeira reclinável, uma segunda aeromoça sempre retornava para perguntar se estava à vontade. Com um leve aceno, apenas agradecia.
Sentiu o avião mexer, lembrava-se do tempo em que tinha medo de voar, os traumas causados por outras viagens turbulentas já eram coisa do passado. Lembrou-se da carta, tirou-a do bolso. Logo, o perfume dela se espalhou por todo o ambiente.
Espantou-se com a quantidade de anotações e começou a ler com afinco...
Sorria.
São Paulo, 21 de julho de 2007.
Oi,
Passei na sua casa, os vizinhos me disseram que você já havia partido.
Liguei para o Alberto e ele me falou que antes de chegar em Roma, você passaria em Milão para um congresso. Então, pedi para que lhe entregasse esta carta.
No fundo, eu sempre quis que você entendesse como me sentia, mas acho que minha maior fraqueza foi não saber como falar.
Quando você chegou à sala, sinceramente eu mal te olhava, seu abdômen não ajudava muito, e espero que você concorde que nunca foi do tipo “bonitinho” para ninguém. Fora isso, desde criança, todas as pessoas interessantes que eu conhecia e gostava, se não tivessem o padrão estético vigente, eram criticadas pelas pessoas a meu redor. Quantas vezes ouvi comentários como: "nossa,ela tão linda com esse cara feio e estranho!"
Ouvia isso de amigos, e às vezes até de familiares. Acabei me tornando seletiva...
Acho que com o tempo, todas essas pessoas começam a moldar atitudes em outras pessoas, elas criam uma expectativa tão grande em cima de alguém que consideram como “bonita” que acabam por definir gostos e gêneros. Sempre andei com as pessoas mais belas na minha sala, talvez quisesse andar com mais alguém diferente, só que era tarde para algumas mudanças. Isso vigorou no primário, no ensino médio e inevitavelmente na faculdade.
Apesar de se renovarem as turmas todo ano, onde existiam as "populares", lá estava eu no meio.
Mas foi nessa época que você começou a aparecer...
Era estranho notar as atenções se desviando. Que você era um aluno brilhante, todo mundo percebia, por causa dos elogios dos professores, mas o grande mistério que se fazia a sua volta, era porque aquele monte de veteranas o procuravam na classe. Isso por si, não satisfazia as populares, e como minhas amigas, te classifiquei como não apropriado, ou seja, feio pra mim, mesmo com todo aquele talento e charme.
Foi quando o professor Franco fez o sorteio dos nomes para o trabalho do segundo bimestre, e vi que nossos nomes saíram na mesma lista.
Fiquei um pouco chateada, com o fato de minhas amigas saírem quase todas no mesmo grupo, e eu em um grupo diferente, porém o trabalho estava em cima da hora, e eu não tinha tempo para reclamar.
Combinamos todos para nos encontrar na biblioteca, mas como você sabe, só nos dois comparecemos.
Era engraçado pensar na gente estudando junto, éramos “quase” inimigos na sala, mas logo cedi aos seus argumentos brilhantes e fizemos o trabalho a sua maneira. O melhor foi ver a nota depois, e saber que ela estava bem acima dos outros grupos, e mais que isso, foi um divisor de águas na nossa comunicação, que melhorou muito.
Você não era tão chato como eu imaginava, aliá era interessantíssimo.
Quando as “populares” perceberam nosso encurtamento, começaram a perguntar sobre as mudanças de comportamento:
- Tá de olho nele? Naquele cara?
Eu logo negava, dizendo apenas ser por causa dos trabalhos. Imagina se eu, a super gostosa ia gostar de alguém daquele tipo, mas ali naquele momento, nem eu mais já sabia o que estava sentindo.
Era bizarro, eu me pegava te olhando sem querer o tempo todo.
Logo, começou o jogo de olhares. Quando eu te olhava no pátio, pegava você olhando pra mim e vice versa. Aquilo começava a me incomodar e ao mesmo tempo me agradar. Comecei a ter sonhos eróticos e românticos, olhava o horário que você costumava chegar, e saía dando uma desculpa imbecíl.
Todos esses pensamentos só iam crescendo, junto com o conflito de começar a gostar de um cara tão estranho e “feio”, na opinião das minhas amigas também.
Então naquele dia da saída, quando você me tocou no ombro, dizendo querer falar sobre outros trabalhos que podíamos fazer juntos, eu entrei em pânico. Tudo que eu queria era que não percebesse o quanto eu já estava apaixonada, mas acredito que foi muito fácil perceber.
A Márcia percebeu também (talvez foi a única que não acreditou em mim) e armou, convidando eu e você para o aniversario dela, lógico, que sem o meu consentimento.
A Márcia já tinha sido uma popular no passado, porém parece ter atingido a maturidade mais cedo, era do tipo de pessoa que não se importava mais com os rituais escolares, e tinha uma percepção única do que rolava na facul.
Passou-se um mês... e então chegou o tão esperado dia da festa.
Logo que cheguei, tentei procurá-lo discretamente, como se a intuição fosse mais forte do que qualquer indagação de qualquer pessoa que você não estivesse, e lá estava você...
Pela primeira vez, já não te achava tão feio, aliás, estava muito bem vestido, comecei a me perguntar se era porque eu estava gostando ou se estava apresentável de verdade mesmo.
Bem, não importava, eu continuava lutando contra esse sentimento, eu estava disposta a não ficar com você.
Procurei um lugar calmo onde pudesse me esconder para não te encontrar, subi as escadas e entrei no quarto dos pais dela. Parecia ser ideal.
Para meu desespero a porta abriu e era você, comecei a tremer...
Pensei alto: “Márcia filha da puta...”
Perguntei:
- O que foi?
- Quero conversar com você, você disse.
- Sobre?
- Sobre nós.
- Nós o que?
- Você sabe...
- Não, não sei não...
Você caminhou na minha direção, tentei me esconder nos móveis, e como já deve ter lembrado, ameacei até gritar, porém com um puxão, já fiquei toda mole e simplesmente parei de reagir.
Beijamos-nos...
No começo eu tentava te afastar, mas ia ficando cada vez mais mole, mais mole, mais mole... e de repente, quem estava te apertando era eu.
Era um beijo selvagem, segurado... tirei sua camisa e logo senti suas mãos em mim. Era como se fosse mais um dos meus sonhos, enquanto me tocava por inteira me senti a pessoa mais feliz daquele lugar. Em 7 anos de namoro, com nenhum namorado eu tinha sentido aquilo.
Lembro que fizemos amor até acabar o fôlego.
Pelo menos o meu... e talvez aquilo fosse a coisa mais louca que fiz em minha vida.
Não, com certeza aquilo foi a coisa mais louca que fiz na minha vida...
Quando acordei, já eram 05h30 da manhã, me levantei discretamente sem te acordar...
Eu estava tremendamente envergonhada por estar ali.
Peguei minhas roupas, me vesti e saí sem te acordar. Lembro que quando saí da casa da Márcia tinha uns 20 bêbados no corredor, desacordados, e tentei passar sem chamar atenção.
Mas quando cheguei à porta e virei a maçaneta, Luis Rogério, um dos fofoqueiros mais conhecidos do pessoal da engenharia deu um grito:
- Aí Patrícia... senti firmeza, ein?!
Que bosta... ele me viu saindo do quarto. Balancei a cabeça com um sinal negativo, mas àquela altura era burrice tentar explicar ou inventar qualquer coisa ali. Abri a porta e simplesmente fui embora.
No outro dia, na facul, logo na entrada, as pessoas me olhavam e comentavam baixo...
Só se falava nisso, de eu ter passado a noite com no quarto com você... Logo, as meninas começaram a me pressionar:
- Tá saindo com ele?
- Não, não tô!
Tudo aquilo era tão novo e tão louco, na verdade eu não sabia como reagir.
Eu percebi que tentou me procurar no restante daquele mês, mas eu te evitei. Tudo que posso te dizer é que eu estava confusa.
Não sei como conseguiu meu telefone, mas também evitei suas ligações... sim, eu vi as suas ligações... Mas não tinha coragem de atender. Na verdade eu até queria...
Só que mais um mês se passou... E eu continuava sem atender e a te evitar.
E percebi com o tempo que você mostrava os sinais de quem estava desistindo de mim.
Passava de cabeça baixa, não tentava mais me cumprimentar, e embora eu aparentasse que não ligava, eu estava com o espírito aflito dentro daquele corpo. Tudo que eu queria ia contra tudo que eu sentia, será que é assim o começo de uma loucura? Meu Deus, me ajude...
Aquilo tinha de parar.
Eu já sabia que não podia mais te evitar, e então pela primeira vez, decidi conversar contigo, abrir meu coração e jogar tudo pro alto... Mesmo que custasse o posto de “gatinha” popular. Parece estranho pensar assim na faculdade, mas se pensar melhor vai ver que ainda rola esse tipo de comportamento, mesmo a galera falando que não.
Ninguém assume isso assim, mas que as pessoas pensam, elas pensam, pode ter certeza.
Porém, eu seria diferente agora.
- Foda-se... vou ficar com ele.
Saí de casa decidida aquele dia, senti uma coisa boa, como se fosse um orgulho tomar aquela decisão, porém na aula daquele dia você não foi.
E nem na outra.
E nem na outra... até se completar uma semana.
Descobri seu endereço, fui até sua casa, mas você não estava. Seus vizinhos comentaram ter visto você sair com malas.
Naquele momento, perdi meu chão...
Meus Deu, será que ele foi embora?
Comecei a chorar no caminho de volta...
Como fui tão idiota, tão imbecil? Teria eu, perdido a oportunidade de dizer que eu te amava de verdade?
No outro dia fui ao pessoal do oitavo semestre e conversei com o Alberto, seu amigo. Ele me falou sobre a bolsa de estudos na Itália, e disse do congresso em Milão, que antes que você fosse em definitivo, se encontraria com ele. Então escrevi essa carta, e pedi para que ele te entregasse.
Eu tinha de colocar tudo no papel, para que você entendesse porque eu te ignorei, porque eu não falei... eu sei que foi babaquice minha, mas agora eu posso dizer com toda força das palavras escritas do mundo, como se eu pudesse gritar sem ligar pra ninguém, com uma certeza abundante que:
EU TE AMO VINíCIUS... EU TE AMO... MUITO!!
E, se um dia você puder voltar e perdoar essa idiota... eu vou me perdoar também!
Caso não, que seja feliz com quem te encontrar, e que essa pessoa perceba seu valor, pois eu não percebi.
Peguei uma foto sua de uma rede social, e todo dia acordo olhando pra ela... e também durmo olhando pra ela...
Que Deus te abençoe...
Da sua admiradora mais idiota do mundo. Que no fundo, mesmo casando daqui a 40 anos, sempre vai te amar...
Patrícia.
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* Três meses depois, Vinícius retornava ao Brasil. Na verdade, nunca foi morar na Itália.
Tinha ido apenas ao congresso em Milão, porém como era confidente de Alberto, e este sabia de toda a situação, resolveu punir a garota, como amigo de Vinícius, por tudo que ele tinha passado com ela. Era um susto...
Quando chegou ao Brasil e falou com o amigo, Vinícius correu em direção a Patrícia, explicando tudo. Começaram enfim o namoro e se tornaram noivos.
São Felizes...
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No bar, perguntei pra ela:
- Posso escrever sobre sua história no Blog?
- Pode sim...
- E as populares?
- Meio que a contragosto, serão madrinhas de casamento... junto com a Márcia, claro.
- Depois dessa você vai pagar a conta, toda a conta, e aliás, você nem é tão gostosa assim!
- Vai se danar, Victor!
(Vinícius rachava o bico do outro lado da mesa)
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Se gostou, vote para que vire livro:
http://tinyurl.com/2dneokeAbraço e até a próxima postagem!
Victor Von Serran.