sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Parábola da Batalha Espiritual



Dois de Janeiro era só mais um dia na Mallone e Associados. Ninguém queria trabalhar um dia depois do ano novo, mas devido a um e-mail que todos receberam na véspera de natal, os funcionários compareceram em peso.


A mensagem dizia que uma noticia importante seria dada, e que todos estivessem presentes. No ano passado, três pessoas do escritório foram promovidas nesta época, e a expectativa era grande com a saída de alguns funcionários. O boato era que existia apenas uma vaga.


Eram em 14 auxiliares, todos ex estagiários, esperando sua oportunidade. Ninguém ousou faltar. O silêncio reinava, todos apreensivos e preocupados, pois sabiam que aquele dia, poderia ser decisivo em suas carreiras.


Apesar de a maioria não saber realmente se alguém seria promovido, todo escritório tem suas indicações, e apenas seis, estavam cotados para alguma possível promoção.


Glória dos Anjos, evangélica ardorosa, trouxe a bíblia nesse dia. Em horários alternados fazia suas orações. Colou o Salmo 91 atrás do computador, para que espantasse um possível mal, que em sua opinião, mais precisamente vinha de Vênus, uma colega que sentava logo a sua frente. Naquele dia, um bom dia (seco), e uma dúvida sobre troca de notas, foi o máximo que conversaram.


Venus era praticante de Wicca e Glória abominava tais práticas. Naquele dia, jogou poções em volta de sua mesa, colocou uma árvore de alho na frente do telefone, recitando palavras em hebraico da kaballah judaica. Sabia que na disputa de poder, Glória não teria chance. Porém ainda existia uma pessoa que em sua opinião, poderia lhe tirar a vaga, Era o Evaldo, que sentava próximo ao bebedouro. Notadamente um bruxo, porque ela conhecia quem tinha essa vocação, e somente um bruxo pode descartar outro bruxo. Isso a preocupava.


Evaldo praticava o Candomblé, e um dia antes, colocou oferendas no mar para aumentar suas chances. Acendeu um incenso no banheiro, tomou um banho de sal grosso, e segurava sua guia toda vez que Vênus o olhava. Uma coisa que irritava profundamente Evaldo era o “Daruma” feito pelo Chirriro, o colega do canto da sala, que o fitava, como se o estivesse repreendendo. Era como se aquele amuleto com cara de gato estivesse vivo, olhando para ele o tempo todo.


 Chirriro era o único budista da empresa. O Daruma É um dos mais antigos e populares amuletos do budismo. Diz à lenda que ele representa um monge que teria passado nove anos meditando sobre uma rocha - o que lhe inutilizou os braços e as pernas. Chirriro acreditava que seus antepassados lutariam para que uma das vagas fosse sua, através do poderoso talismã.


 Quem era confundido como budista, da mesma crença do Chirriro era o Cheng, dos protocolos. Que sentava próximo ao Xerox.


Cheng é Taoísta. No Taoísmo se acredita que a mudança não vem de fora para dentro, e sim de dentro para fora. Arrumou sua mesa para que o Dragão (ki) passasse sobre ela. Essa era sua mais poderosa ferramenta, o Feng Shui, ou seja, a manipulação dos objetos para o direcionamento da energia.

Olhava para Chirriro com desdém, e sabia que aquele boneco vermelho na mesa dele, só iria atrapalhar os fluidos em vez de ajudar. Interrompendo seus pensamentos, Maria de Deus colocou as pastas de cadastros em cima da mesa e desarrumou seu Feng Shui. Cheng, olhando feio, reorganizou a mesa, e voltou ao trabalho.


Maria de Deus era uma católica diferente, não se incomodou com o olhar de Cheng, sabia que a única forma de desbancar todos aqueles concorrentes, seria cantando as músicas do padre Marcelo e beijando seu crucifixo de 10 em 10 minutos. Fez uma promessa, que se ganhasse a vaga, andaria de joelhos mil metros antes da imagem de Aparecida em um dia de peregrinação. Estava confiante.


E assim naquele dia, todos se entreolhavam com desconfiança. Era como se o sucesso de um dependesse do fracasso do outro. Em intervalos de minutos, se agarravam a seus objetos de fé, e pediam para que nenhum de seus colegas profissionais passasse a sua frente. Uma verdadeira guerra espiritual era travada, e no invisível, anjos, seres mitológicos, espíritos de antepassados, orixás e todos os tipos de coisas etéreas se degladiavam a pedido de seus seguidores.


No fim do dia, o chefe chamou a todos na sala de reunião. Havia uma tensão no ar. Todos continuavam apreensivos. 


Sabiam que naquele momento seria decidido, quem era espiritualmente mais forte, então levaram em suas mãos os objetos de suas crenças, e apertaram como se fosse a última coisa que pegassem na vida. Entraram na sala, e ao olhar para o dono da empresa, ficaram atentos, ouvindo suas palavras:


- Vocês estão aqui para saber uma noticia muito ruim, e espero que entendam este nosso momento. Nossos empreendimentos e parcerias diminuíram muito no último ano, e devida algumas circunstâncias, eu e meu sócio descobrimos que estamos falídos. Quero que saibam que apesar de decretar falência, garantiremos que alguns de seus direitos básicos sejam mantidos, pelos serviços prestados com afinco, no qual a empresa agradece os anos de dedicação e trabalho.


Eu sinto muito ter de dizer isto, boa sorte a todos na procura de outro emprego... Estão dispensados.


Nesse momento, todos não se olhavam mais com desconfiança, mas sim com um aperto enorme no coração. Ali no meio do escritório alguns começaram a se abraçar e chorar, e todos se confortaram. Alguns tinham anos trabalhando ali. Naquele momento não importava mais quem era quem, e quem era o que, e sim a dor que os unia naquelas horas de abatimento. Todos os anos, empresas vão à falência, mas ninguém esperava que a Mallone fosse uma delas.


 Duas semanas mais tarde, as mesas limpas não deixavam sequer rastro, de que ali, naquele local, fora travado a maior batalha espiritual daquele ano. Todos saíram derrotados. Não existia uma força superior entre as crenças, e apesar daquele momento triste, entenderam, e levariam para sua próxima empreitada profissional o ensinamento que torcer para que todo mundo seja feliz é a melhor maneira de cultivar a sua fé.


Católicos contra protestantes, judeus contra islâmicos, não importa qual a religião ou conflito, mais importante que uma promoção no emprego, são as vidas humanas que são perdidas em vários lugares do mundo, em favor do preconceito e do fanatismo. Nesse ano que agora chegou, que todas as pessoas que entendam o amor, façam ele valer, esquecendo as diferenças e cultivando o que existe de bom em cada coração.


 Que todas as nossas batalhas espirituais tenham um só intuito... construir um ambiente de paz.


“Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta.”

Albert Einstein

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A Ridícula árvore de Natal


Hoje passando pelo centro de Osasco, vi uma linda decoração natalina, dessas de encher os olhos, na praça da prefeitura municipal. Era interessante ver como as crianças que estavam por ali olhavam para aquilo como se fosse a coisa mais espetacular do planeta. Aqueles olhares brilhantes, me levaram a um passado muito distante, onde também era mês de Dezembro.


Morando com três irmãos e minha avó, dois anos após a morte dos meus pais, as condições não eram das melhores. Mesmo assim, minha velha era uma guerreira e nunca faltou nada para comer. Porém, como dizem os titãs, a gente não quer só comida, e acabamos tendo alguns problemas como a falta de roupas, brinquedos e medicamentos, as vezes quando necessário.


Conversei com a velha sobre a possibilidade de uma árvore. Disse que não queria ganhar nada além dela, mas minha velhinha triste, comentou que não teria condições de dar algum presente, quanto mais montar uma árvore de natal. Aquilo me derrubou. 


Mais tarde, cai na real, que aquilo tinha derrubado ela também. Talvez de um jeito pior.


Imagine uma senhora de 54 anos cuidando de quatro netos órfãos com aposentadoria comum por idade. Não precisei de maturidade para entender que ela falava a verdade, mas aquilo não era suficiente na minha cabeça. Chorei escondido. Escondido, porque meninos não choram. Principalmente os orfãos.


 Hoje entendo as jogadas do marketing e da publicidade, e de como é construído um sonho na mente das crianças. Não ter uma árvore de natal para mim, uma criança de nove anos naquela época, era uma coisa insuportável.


Fui então a um terreno baldio perto da minha casa, a ideia era tentar achar alguma coisa que se parecesse com uma árvore decente, para decorar nossa sala cozinha e banheiro (Era uma casa simples de três cômodos). Fiquei horas procurando até que achei uma coisa extraordinária: um pedaço de pinheiro, dos grandes, que bem remodelado poderia resolver o meu problema. 


Peguei o pedaço e levei a casa de uma vizinha japonesa jardineira chamada Massaki. Ela me deu uma lata de óleo, daquelas gigantes que não vendem mais hoje, mas antes, porém, decorou os lados com um papel crepom, e sorriu antes que eu fosse embora. Depois daquele dia nunca mais lutei contra os espinhos assassinos da vizinha japonesa.


Pedi para alguns amigos se poderiam me dar algumas das bolas laminadas que colocavam nas árvores, e de amigo em amigo, consegui trinta e seis de várias cores e tamanhos.


Para fechar com chave de ouro, entrei na casa da senhora Maria Conceição, uma velha chata que furava todas as bolas de meninos que jogavam na rua de cima, incluindo uma minha. Roubei o pisca- pisca da entrada da casa dela. Na minha cabeça, ela me devia pela minha bola, e não fiz nada de errado. Quem não concordar com meu pensamento, tenho a melhor das justificativas. Eu era uma criança. Ponto final.


Juntamos toda a galera e começamos a lavar a tal árvore. Pintamos com o guaxe verde da minha vizinha mais feinha as partes secas, e no final do processo, tínhamos uma legítima Frankenstein das arvores de natal. Meio ridícula para quem tem uma comum, dessas compradas, porém a mais linda das árvores para mim e meus amigos.


Quando cheguei em casa e meus irmãos a viram , seus corações bateram tão forte que por um momento...eu podia ouvir. Minha avó sorriu com aquele famoso olhar (O que será que esse peste aprontou de novo?) mas não me disse nada. Naquele natal ganhamos muitas coisas dos parentes distantes, e parecia que a mágica tinha chegado até mim, era o ano de 2001.


Hoje na minha casa tem uma árvore bem legal, com uma estrela bem grande na ponta, minha filha e meus sobrinhos recebem os presentes do dia 25, embaixo dela. Toda vez que chegamos na época de natal, me vêem essas recordações e sempre me pergunto se muitas crianças do bairro ainda procuram árvores em terrenos baldios.



Já parou para pensar que na sua rua, não só na África ou no Sudão, nem na Palestina, existem pessoas privadas do direito de sonhar? 


Você ajudou alguém do seu bairro esse ano?


Se sim. Obrigado.


Daqui a vinte um anos, alguém vai lembrar de você...eu juro!








Dedico este texto a Ana Cecília Romeu e a meu amigo André Mansim...obrigado por pedir para publicar.