quinta-feira, 28 de março de 2013

Arco-íris




Mais um dia nascia na metrópole. Naquela primeira hora matinal, as maquinas eram ativadas e supridas de combustível medido para suas tarefas cotidianas. Isso até seu próximo ponto de recarga, estipulado conforme suas operações.

Cada robô tinha seu próprio nome, número e função. Alguns eram mais sofisticados, outros simples. Todos trabalhavam conectados em prol de um único fim: manter o sistema vigente.

Eram a maior população do planeta.

Obedecendo as rotas estabelecidas via gps, muitos se acumulavam nos transportes coletivos. Para eles, tudo consistia em manter o padrão operacional: ativar, alimentar, funcionar, memorizar novas tarefas e retornar para recarga. Com o passar dos anos, novos protótipos são gerados e programadas por máquinas de sua geração anterior. Cecília era um modelo comum dos novos robôs. Como os outros, após terminar sua primeira recarga, se dirigiu ao orgão responsável por sua programação. 

Naquela manhã, detectou um fenômeno no céu, logo após uma chuva torrencial. Uma faixa de raios, com oito cores, que passava de um determinado ponto a outro. Como não absorveu aquele acontecimento como fato comum as suas percepções diárias, fez uma busca interna por informações para compreender a interação daquele acontecimento com o ambiente.

Ao registrar a imagem e levantar seu significado, chegou a seguinte definição: 

Arco-Iris: Fenômeno de refração da luz solar que possuí origens físicas e meteorológias, cujo formato se assemelha ao de um arco que emana luz. A refração da luz solar sobre as gotas de chuva ou nuvens, que estão dispersas na atmosfera, revelam as sete cores do especto solar.

Logo após a definição, notou que alguns circuítos de sua placa mãe sofreram algum tipo de alteração durante a pesquisa, causando uma pane. Dentro das leituras, uma pasta com imagens do mar, de crianças, famílias cantando, entre muitas outras, confunde ainda mais sua memória interna. Tremores e aumento de temperatura, ativam seu sistema emergencial de resfriamento. Agora inativa, não consegue manter um funcionamento adequado.

Diagnóstico: Emoção. Problema recorrente dos novos protótipos, cujo nível de inteligência e memória era superior as máquinas da geração anterior. Base do funcionamento orgânico dos primeiros projetos, que hoje eram consideradas obsoletos, pois atrapalhavam o sistema em suas operações. 

 Outros modelos, transitando pelo local,  percebem o mal funcionamento de Cecília e prestam manutenção, porém é inútil. Cecília não processa mais informação. Começa então a emitir ruídos. Ocorre um vazamento do líquido lubrificante ocular por sua interface. Já em colapso, a máquina tenta ainda um último recurso: Desativar plenamente o funcionamento geral dos circuitos, ocasionando sua queda entre os transeuntes.

Reiniciada as configurações e reativada, Cecília se levanta, agora já estabelecida e reprogramada. Segue indiferente para sua função diária, voltando então aos procedimentos comuns de operação:

Ativar, realimentar, funcionar, memorizar e retornar para recarga.

Mesmo com muitas panes relatadas, milhares desses robôs ainda conseguiam manter seu objetivo:

O funcionamento adequado do sistema vigente.

Isso, todos os dias de sua miserável existência.

Eram a maior população do planeta.





sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013



Quebrante





   E no meio da melancolia, se atirava em um papel, impulsionado por uma caneta simples, das menos sofisticadas. Enquanto escrevia, sentia aquela sensação que não conseguia explicar as pessoas. Mesmo assim, escrevia. Terminado o texto, relia e corrigia, mudando frases.

   Agora, já não tão jovem, nem tão velho, se emocionava com pequenas coisas. A tarde, já entediado, pegava um livro indicado por um professor, usando como peso para os textos. Era do tipo de pessoa que torcia pelo perdedor...precisava escrever mais e ligar para aquela tia doente.

Mas era domingo.
Melhor dormir e pensar nisso depois.





terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Laika



Não me lembro direito em qual dia de Julho ela chegou, só me lembro da cara assustada, do medo estampado no focinho preto e de quanto ela tremia de nervoso no colo da minha mulher. Depois de várias discussões em torno de um nome que agradasse aos dois, decidimos chama-la de Laika.


O nome foi inspirado na  cadela russa que se tornou conhecida por ser o primeiro ser vivo terrestre a orbitar o planeta Terra. Ela foi lançada ao espaço a bordo da nave soviética Sputnik 2, em 3 de novembro de 1957, um mês depois do lançamento do satélite Sputnik 1, o primeiro objeto artificial a entrar em órbita. Laika é o nome russo para várias raças de cães similares ao husky, oriundas da Sibéria. A sua raça verdadeira é desconhecida, mas considera-se que ela teria sido um cruzamento entre um Husky ou outra raça nórdica com um Terrier, ou seja, era uma vira-lata, como a nossa era.

A enorme quantidade de carrapatos e pulgas, deixava claro que os donos anteriores dos pais da nossa cadelinha, não se preocupavam muito com a saúde dos cães. Um por um, tiramos todos os parasitas e  limpamos ela à seco. Nosso próximo passo era ir ao veterinário, para aplicar vacinas importantes. Laika começava a apresentar sinais de boa saúde, e foi ficando tão bonita a ponto de ser confundida com qualquer outro cão de raça. Seu pelo negro lembrava um azul escuro de tão brilhante.

Com seus dois meses em casa, começou a destruir os móveis, e a defecar em lugares em que a Ana não gostava de ver sujos, o que gerou uns probleminhas. Mesmo assim, com o carisma legítimo dos vira-latas, nos conquistou, e passamos a ignorar algumas coisas em nome do novo laço que criamos, um laço tão forte e poderoso, que chega a ser difícil de explicar. Quando eu estava em casa, ela ficava no meu pé, tanto no PC quanto no sofá e chegava até a  latir quando aparecia cachorros nos filmes. Quando a Ana estava em casa, ela era uma companheira, tanto na louça, como nos livros de fisioterapia, fato que me ajudava bastante, pois minha mulher ficava muito tempo sozinha. Sempre que retornava para casa, tinha uma ótima recepção de nossa xodó magrela, e isso de certa forma, me trazia uma espécie de felicidade. Ter alguém ansioso pela sua chegada é uma coisa muito boa, e os cães fazem isso como nenhum outro animal faz.

Foi quando no mês de Dezembro, por um descuido, não vimos ela pular o cercado que colocamos no quintal, e, para piorar nosso azar, os vizinhos tinham deixado o portão do condomínio aberto. Laika escapou, deixando tanto eu como minha mulher muito aflitos. Procuramos em todos os arredores do nosso bairro, e também um pouco mais distante. Nossa maior preocupação era se ela fosse atropelada, machucada ou mordida por algum outro cão na rua. Era véspera de natal, e os fogos com certeza a espantariam cada vez para mais longe, dificultando nossa busca.

Passaram quatro dias e Ana chorava muito. Eu não conseguia me concentrar no trabalho. Fizemos cartazes e colocamos recompensa para quem a encontra-se. Entramos em contato com Ongs e entidades especializadas em cachorros desaparecidos, que aliás, fazem um trabalho bonito e importante. Notamos que isso acontece com muita frequência, muitas pessoas perdem seus cães no mês de Dezembro.

 Chegamos até a pensar em um carro de som para ajudar. Cinco dias se passaram e nenhuma notícia de nossa mascote. Começamos a perder a esperança.

Comecei a juntar os pertences da Laika em uma caixa, e guardar. Toda vez que notava a bolinha ou as tigelas rosas que Ana tinha comprado, um vazio, um aperto, uma angústia nos desconsolava. Era uma tristeza insuportável, e, posso dizer que o natal de 2012, foi uma bosta por causa disso. Tentava fazer minha mulher se distrair, mas percebi que ela se apegara tanto quanto eu. Um animal de estimação, é como um parente, e quando ele se vai, sentimos igual ou até pior, o sentimento de perda por parentes ou amigos. Desculpe se isso ofende alguém, mas pelo menos comigo, funciona assim.

Fui trabalhar, e no caminho conversava com Deus a respeito de perda. Pedi com todas as minha forças e fiz um voto de uma visita a certo local, caso Laika aparecesse. Nesse mesmo dia, três horas depois, Ana me liga dizendo:

-Vi ela tá aqui comigo...foi encontrada

Foi achada em um vizinho bem próximo, que cuidou dela muito bem desde o dia de seu desaparecimento, mas que por distração ou qualquer outra coisa não viu os cartazes, ou não ficou sabendo. Estava muito bem cuidada, apenas assustada com os fogos de artifício. Foi uma felicidade, um alívio, algo que não conseguimos descrever. Trabalhei ansioso por chegar em casa e ver minha cachorrinha. Quando cheguei, ela me reconheceu de imediato, e, soltando gemidos, algo como um choro, me lambia sem parar. Nosso ano novo estava salvo. Fizemos uma festa. Agradecemos e pagamos a recompensa. Nada de valor pode pagar pela sua companhia, não sentimos um pingo de remorso. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido.

 Não sei explicar se foi algo relacionado ao pedido que fiz, não sei realmente se minha fé tem a ver com o fato dela aparecer, mas prefiro acreditar que sim, e começo a entender porque é melhor acreditar, do que ser um descrente. Até o fim deste mês, cumpro meu voto como estabelecido. Gostaria de agradecer a todos os amigos que se comoveram no facebook, deixando mensagens de conforto e paz tanto para mim quanto para minha mulher. Ajuda bastante.

Também gostaria de agradecer aos grupos "Amigos de Fabiano Jacob" que cuidam de animais que são molestados e também dão informações sobre animais desaparecidos. Outro grupo importante é o CZZ (Osasco) que também é referência nesse tipo de assunto. Ambos nos ajudaram, e ajudam muitas pessoas que perderam seus companheiros de coleira. Encerro essa postagem com minha amigona no meu pé. Ela está do lado de PC, cochilando com o fucinho no modem, esperando um vacilo meu pra que eu fique sem internet. Sendo assim, vou enganar essa raposinha com um snack canino pra ver se ela sai dali. Senão, posso acabar demorarando para postar de novo.

Um abraço galera, até a próxima postagem.