sábado, 15 de outubro de 2011

Owens


  
Berlim 1936 – 11h36min


Quando entrei no estádio, fiquei pasmo com a quantidade de pessoas, era maravilhoso ver tanta gente, e como atleta, aquilo mexeu comigo de uma forma a qual não conseguia explicar. E mesmo que todos quisessem minha derrota naquele lugar, eu não poderia de forma nenhuma negar a sua beleza.

Vi os braços estendidos, e aquele homem entrar pela lateral. Era pequeno e particularmente feio, comparado a outros brancos que estavam ali, ao ver isso me perguntei qual o motivo para se achar superior a alguém.
Fui até a linha de saída, chequei meus tênis e alonguei. Antes do tiro de partida, as lembranças de Oakville me tomaram, e tão rápido como o disparo, viajei no tempo.

Alabama 1927

Era difícil acompanhar minha mãe, mas toda a vez que conseguíamos um médico, tínhamos de correr para não ficar por ultimo nas filas. Os negros só eram atendidos por negros, e um único médico, que vinha de Ohio uma vez a cada sete meses, respondeu a suas cartas dizendo que poderia me atender, ao passar por Oakville.
Tão logo cumpriu sua promessa, disse a minha mãe:

- Ele tem pneumonia crônica, deve evitar a fadiga, e se alimentar bem. Não será uma pessoa saudável. Sinto muito.

E assim eu pude ver os olhos de minha mãe cheios de lagrimas. Ela sabia que um negro que tivesse condições físicas ruins, não teria muita chance naquela sociedade tão preconceituosa. Acabaria como um mordomo de algum rico fazendeiro, lacaio de casa, ou jardineiro, já que não teria fôlego para trabalhar nos campos de algodão. Com o passar do tempo, comecei a me odiar. Me odiar pela minha incapacidade, pela minha vida tão ingrata, e tão logo via minha mãe saindo para trabalhar, fazia justamente o que o médico me proibia, corria até faltar o fôlego. Quem sabe assim poderia morrer e já não seria mais um fardo para ninguém.

Embora passasse mal constantemente por causa das corridas, não era o bastante para atingir meu objetivo. Comecei a acelerar e correr mais, pensando que uma hora meu corpo não aguentaria até eu conseguir morrer.Mas acontecia justamente o contrario.Comecei a respirar melhor, e ter mais fôlego.

Um dia os cavalos do senhor Stanford passaram a minha frente, e não pude conter a ideia que poderia os ultrapassar. E eu os ultrapassei. Comecei a correr profissionalmente,e de escola em escola, minha fama correu pela cidade. Isso me ajudou a entrar na universidade, e quando vi, era atleta federado e iria para as olimpíadas de Berlim representar os Estados Unidos da América. Era a maior conquista de um negro na história da minha cidade. 
Eu estava muito feliz.

Berlim 1936 – 11h42min

Ao soar o disparo, saímos todos da linha ao mesmo tempo. Eu podia sentir a respiração de meus oponentes. Estávamos muito próximos e éramos todos atletas de altíssima categoria, todos ali tinham um sonho, todos ali passaram dificuldades para chegar a aquele objetivo, e todos lutariam até o fim para conquistá-lo. Porém além dos sonhos, havia outra coisa importante para se fazer naquele evento. 

Um homem surgiu na Alemanha disse que os brancos são superiores, que são melhores e que tem o direito de exterminar toda e qualquer raça que não seja a deles. Muitos estavam morrendo a favor de uma ideia tola e se eu, um negro, perdesse aquele dia, comprovaria que realmente aqueles homens poderiam estar certos. Eu já tinha me acostumado a sofrer o preconceito, de ser chamado de esgoto, de marginal. Mas eu havia superado tudo isso antes. Ao contrario do que pensavam eles, eu não tinha medo.

Comecei a correr com mais força, como se quisesse morrer quando criança. Logo tudo ficou passando lentamente, e eu não ouvia mais os ruídos, nem sentia mais o vento bater no rosto, era algo extremamente poderoso e espetacular o que acontecia aos meus sentidos.

Era como se estivesse em outra dimensão.

Ao cruzar a linha de chegada, aquele homem das idéias tolas foi forçado a se retirar. E o mundo viu naquele momento, que enquanto um homem poder lutar contra a opressão, com toda a sua dignidade, o mundo não vai se calar ante a intolerância. Meu nome é James Cleveland Owens. Negro, teimoso e 5 vezes campeão olímpico.





15 comentários:

  1. Caramba Von, parabens pela postagem meu amigo!
    Realmente essa é uma estória de vida, de perseverança, de superação de tudo e de todos! Parabens amigão seu blog é um dos melhores que sigo! Está entre os top 3, me orgulho de ser seu amigo.

    Atulizei, passa lá!

    ResponderExcluir
  2. Nossa...uma verdadeira aula do esporte e de vida...do quanto uma pessoa que sofreu td tipo de preconceito pode lutar e provar ao mundo que ninguém é melhor do que ninguém independente de raça,cor,crenças,e isso vale para toda a sociedade,de brancos,pretos,ricos e pobres,de pessoas que se julgam nobres,cultas e melhores do que as outras.
    Bravo Vic!Lindo texto,linda lembrança em meio aos jogos Pan-Americanos.Um belo exemplo a ser seguido.
    Boa semana,bjka

    ResponderExcluir
  3. É uma das histórias mais lindas e profundas que a humanidade já vivenciou. Já vi alguns vídeos dessa Olimpíada de 36, e tem um que mostra a cara frustrada de Hitler quando Owens vence seu ariano. Agora caso o germânico tivesse ganho, sempre ficaria a dúvida se não teria sido coação ou fraude, mas nesse caso, foi o puro talento do americano. Também penso que se algum atleta da Europa tivesse ganho, com certeza Hitler se vingaria depois de 1939.

    Um texto muito lindo, e sempre surpreendente quando relemos. Parabéns Serran, ótimo post.

    Abração pra ti.

    ResponderExcluir
  4. Oi Victinho!
    Magnífico!
    Percebi que você vem se superando! Te acompanho faz um tempinho... e teus textos estão melhores!

    Acho que tá na hora do meu amigo Paulo Cheng te entrevistar!
    Viu Paulo? Leu meu comentário aqui? rsrs
    Sabe como é publicitário, toda ocasião é ocasião... rsrs

    Gostei como você costurou o texto em 3 tempos, muito bom, está com a técnica mais apurada meu amigo! E quanto ao exemplo do Owen, bem,não tenho muito que comentar, pois tudo já foi dito por aqui.

    Victor, saibe que sempre virei por aqui, pode haver um atraso, sabe como é essa vida de publicitário..., mas você merece e teu trabalho também!

    Fiquei curiosa, no entanto, de saber se estou no top 3 do Dedé Mansim!
    E no teu... será? Acho que sim... será??? rsrsr

    Beijinhos e ótima semana! :)

    O meu top 3, acho que já te respondi aí em cima um dos meus blogs preferidos! Capisce??? :)

    ResponderExcluir
  5. Nem a medicina consegue explicar certas superações. Elas não têm ligação com o físico, mas com a mente, com a coragem, com a vontade. Assim como ele, que merece admiração, muitos já venceram batalhas para as quais foram taxados de ineptos e incompetentes. E é sempre importante a divulgação
    de superações, pois além de belas, estimulam até quem não tem, necessariamente, "limitações".
    Bjs.

    ResponderExcluir
  6. São esses exemplos de vida que nos torna mais confiante para superar os nossos desafios diários. Victor, você, como sempre nos inspira com publicações tão exemplares a vida, como essa que faz agora. Um grande abraço meu amigo.

    ResponderExcluir
  7. E SEM CONTAR QUE OWENS FAXIA PARTE DOS PANTERAS NEGRAS. O GRUPO ANTI-NAZISTA AMERICANO.


    DEPOIS DE LER O COMENTÁRIO,PASSA LÁ:
    http://thebigdogtales.blogspot.com/2011/10/expira-inspira-expira-inspira.html

    ResponderExcluir
  8. Que beleza hem meu amigo! Que superação! Belíssimo exemplo, dele e seu, por postar algo assim. Beijosss

    ResponderExcluir
  9. Olá victor.

    Me surpreendi com essa incrível lição de vida de James Cleveland. Ele agiu pela fé, ou seja, ele não agiu pela emoção, se ele escutasse as criticas, os preconceitos e se desse ouvidos ao desengano da medicina com certeza não estaríamos lendo essa incrível estória de vida. Muitas vezes agimos pela emoção, damos ouvidos as circunstâncias da vida e por isso muitas vezes fracassamos. Se a fé e a razão andam juntas com certeza ultrapassamos os nosso limites mostrando para todos que somos capazes de vencer qualquer obstáculo do pequeno ao gigante.

    abraço

    ResponderExcluir
  10. Nossa, me emocionei muito lendo esses textos! No livro "a menina que roubava livros" ele é muito citado.
    Seguindo =)
    http://seriesbooksmovies.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  11. Olá Victor. Que texto emocionante em? Aproveitando o clima de Competição trazido pelo Pan Americano. Hoje vemos nossos atletas como o James, destemidos a enfrentar a Super potência americana.
    Porém, mais que isso, essa história nos trás grandes lições de vida. E nos mostra que nossos limites somos nós mesmos quem estabelecemos.

    Tem post novo no Polemizando, passa lá!
    Abraços, mano.

    ResponderExcluir
  12. Que texto fantástico Vih.

    "Tudo vale a pena se alma não é pequena", já dizia Fernando Pessoa. Amo essa citação pois retrata dignamente a vida. Tudo vale a pena, basta acreditar, ter fé e perseverança. Gostei demais do post. Ele é inspirador assim como o apoio dos amigos, a esperança de uma mãe em seu filho ou mesmo o próprio Owens.

    Obrigada por compartilhar a sua inspiração conosco!

    ResponderExcluir
  13. Muito legal! Desde que sou pequeno meu avô me conta histórias de revoluções e da guerra, e essa é uma das que ele mais gosta! Muito bom mesmo! Agora tenho uma dúvida, esse texto você que escreveu a a partir da história do Owens certo?

    ResponderExcluir
  14. A vitória dele representou a esperança das pessoas contra o nazismo. Ali foi determinado que haveria resistência.
    Essa sim é uma boa história, um exemplo a ser seguido.
    Ao ler isso me lembrei do menino alemão que se pintou de negro para parecer o Jesse Owens naquele romance "A Menina que Roubava Livros".

    ResponderExcluir
  15. DEPOIS DE LER O COMENTÁRIO, PASSA LÁ:
    http://thebigdogtales.blogspot.com/2011/10/india.html

    ResponderExcluir

Faça um comentario inteligente e pertinente, lembre-se que seu nome, e o nome do seu blog, vem logo depois !