quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O monge e o coletivo


Depois de um dia de trabalho super cansativo, tudo que eu queria era chegar o mais rápido possível na minha casa. Como o carro estava em manutenção, peguei o busão que passava naquele determinado horário, e embarquei sentido o bairro em que morava, porque graças a Deus, tinha concluído todos os trabalhos da faculdade.

Assim que entrei no coletivo, vi uma galera rindo e apontando para um tiozinho, que estava sentado em um daqueles bancos da frente onde ficam os idosos. Pouco tempo depois já tinha compreendido o motivo do alarde: aquele senhor estava com uma marmita destampada, comendo, no banco do ônibus.

Algumas pessoas, principalmente adolescentes, começaram a gritar do fundo, provocando o idoso com frases do tipo ”vai comer em casa” entre outras. Muitos riam da situação, como se aquele senhor fosse uma espécie de atração. Aquilo, de certa forma me incomodava, e a algumas outras pessoas que também estavam no coletivo. Por um instante achei que ia brigar com os estudantes que estavam caçoando. Tudo que eu pensava, era no constrangimento que aquele senhor passava, na vergonha que ele poderia sentir com aquelas ofensas.

Porém algo inusitado se mostrava com aquela situação. Apesar dos insultos, aquele senhor continuou comendo sua refeição, mastigando devagar, aparentando uma tranqüilidade fora do comum. Surdo ele não era, porque quando a tampa caiu uma senhora entregou e ele agradeceu o chamado. Eu estava observando uma pessoa com um alto nível de serenidade, dessas do tipo monge, que ficam horas e horas contemplando o nada.

O cara tinha fome, simplesmente abriu o pote que continha sua refeição e comeu, não se importando com nada além de sua necessidade básica, ignorando a opinião alheia, manifesta em forma de provocações. Uma capacidade mental incrível de se concentrar na sua ação, focando de modo completo, algo talvez impossível para uma pessoa como eu, tão acostumado com convenções e sugestões de outros. Isso me levou a reflexões profundas sobre agradar os outros, Sartre e solipsismo. Geralmente projetarmos nos outros a nossa realização e aguardamos neles, sobre forma de aceitação, algo que amenize o vazio que nos habita. Não era o caso dele. Ao sair do ônibus, ainda dei uma última olhada e lá estava, sereno e tranquilo. Imaginei que tipo de formação ele teve, ou se através de seu próprio autoconhecimento chegou aquele nível de excelência emocional.

Naquele momento eu invejei o senhor da marmita. Fiquei e pensando se algum dia teria a capacidade incrível de ignorar a vontade do outro sobre minha vontade, daquela mesma maneira. Sinceramente, eu gostaria muito de chegar nesse nível.

Espero chegar.

5 comentários:

  1. Ótimo texto! Esta serenidade tem feito muita falta no mundo.

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  2. Muito interessante, mas penso que a extrema necessidade leva a esse tipo de ação!
    Gostei imenso.
    Espero que tenhas tido um bom Natal e desde já desejo para ti e para os teus um maravilhoso 2016!

    Abraço

    Rui

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  3. Já vi algumas pessoas assim e confesso que gostaria de ser pelo menos parecido. Ainda me importo com o que os outros vão pensar. E fico com raiva quando as pessoas fazem algo como os estudantes fizeram. Quem sabe um dia.

    Grande Abraço.

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